Até bem pouco tempo eu trabalhava como cobradora de ônibus na Companhia Carris Porto-Alegrense. Quando falava da minha função na empresa, as opiniões eram diversas. Algumas pessoas achavam uma profissão insignificante, sem graça, sem valor... Outras me perguntavam se não tinha medo dos assaltos, como se assaltos só ocorressem em ônibus. Outras elogiavam, dizendo que as mulheres são mais educadas e que as empresas deveriam contratá-las com mais freqüência para a função. Infelizmente, poucas eram as pessoas que conseguiam perceber quão rica é a rotina de um cobrador. Um cobrador observador, é claro!
Viajam nos coletivos, todos os dias, os mais variados tipos de pessoas. Tem o alegre, que já entra no ônibus sorrindo. Tem o estressado, que briga por coisas mínimas como um atraso em dia de trânsito congestionado. Tem o hipocondríaco, que basta enxergar o cobrador para contar de suas doenças e suas dores. Tem o repórter policial, aquele que já entra relatando as últimas notícias. Tem o meteorologista, dá a previsão do tempo completa para a última semana. Enfim, são todos seres humanos com suas particularidades, suas qualidades e seus defeitos, que proporcionam à tripulação a oportunidade de testemunhar alguns momentos importantíssimos de suas vidas.
É o cobrador que presencia a emoção da mulher que acaba de receber o resultado positivo do seu exame HCG (exame que confirma a gravidez). Presencia a esperança do desempregado que embarca no ônibus com destino à sua entrevista de emprego. Presencia a paixão nos olhos dos apaixonados que viajam abraçadinhos. A ansiedade da criança que está indo para o seu primeiro dia de aula. O desespero da mãe que está levando o filho febril para o hospital. A dor daquele que acaba de receber uma ligação informando a perda de um ente querido. A felicidade do estudante que passou no vestibular. A solidão de alguns idosos que embarcam no ônibus e dão uma volta completa apenas para não ficarem sozinhos em casa. O choro de quem perdeu o amor de sua vida. A superação dos deficientes visuais que possuem um jeito todo especial de viver a vida...
Grande parte dos passageiros não divide apenas o espaço interno do ônibus com o cobrador e o motorista, divide também suas emoções, seus sentimentos e suas aflições. Por isto, quando alguém me pergunta quais os requisitos para ser cobrador de ônibus, respondo com convicção: - Maiores de idade, habilidade para lidar com o público e faculdade em sensibilidade!
Célia Araújo!